CUBA SEM A FAMÍLIA CASTRO NO PODER
19/04/2018 06:36 em Internacional

Pela primeira vez em quase 60 anos, líder máximo cubano não será um dos irmãos revolucionários. Apesar da 'transição geracional', expectativa é mais de continuidade do que de ruptura com governos anteriores.

Cuba anuncia seu novo presidente nesta quinta-feira (19). O único candidato indicado para aprovação da Assembleia Nacional, como já se esperava, é Miguel Díaz-Canel. Dessa forma, depois de quase 60 anos, a ilha não terá um dos irmãos Castro no comando: Raúl Castro deixará a presidência 12 anos depois de substituir pela primeira vez seu irmão mais velho, Fidel.

Díaz-Canel, de 57 anos, será também o primeiro presidente de uma geração posterior à que vivenciou a Revolução de 1959.

 

“É a primeira vez que Cuba será presidida por um político que nasceu depois e não pertence à geração guerrilheira. Alguns analistas acreditam que, por essa nova 'geração burocrática' possuir menos legitimidade, terá também que criar mais mecanismos de gestão colegiada e negociação entre os diferentes grupos que compõem o Estado", analisa a historiadora Joana Salém, doutoranda em História na Universidade de São Paulo (USP) e pesquisadora visitante da Universidade da Califórnia.

"Essa transição geracional pode criar um efeito descentralizador do sistema político, mas isso não necessariamente será visível ao observador externo, pois pode acontecer sem mudanças formais”, afirma Salém.

Daniel Aarão Reis, professor de História Contemporânea da Universidade Federal Fluminense (UFF), acredita que não se pode dizer que a "era Castro acabou". Para ele, a oposição ao governo de Raúl ainda encontrará dificuldades, mesmo que a abertura econômica ganhe fôlego.

"As oposições continuam a ter vida dura em Cuba, sofrendo assédio permanente do governo e de sua polícia política, que se concretiza em pressões e mesmo prisões. A curto prazo, não há perspectivas alentadoras para elas", afirma.

O novo mandatário prestes a assumir será o primeiro civil na presidência desde 1976, mas isso não significa necessariamente uma mudança política no país. A trajetória de Díaz-Canel se deu dentro do Partido Comunista de Cuba (PCC), sob a tutela de Raúl Castro.

Ele nasceu em 1960, um ano depois da Revolução, na província central de Villa Clara.

Foi líder da união de Jovens Comunistas em sua província e chegou à liderança da juventude nacional do Partido Comunista de Cuba em 1993.

Foi nomeado ministro do Ensino Superior por Raúl Castro em 2009 e ficou no cargo durante três anos. Em março de 2012, foi nomeado vice-presidente do Conselho de Ministros para a Ciência, Educação, Esportes e Cultura, circulando nacional e internacionalmente, muitas vezes na companhia ou em nome de Raúl Castro.

Metódico, Díaz-Canel cresceu na carreira política como um "funcionário exemplar".

"Ele é um engenheiro que pensa em termos de eficiência, questionando-se qual é o sistema que lhe trará mais resultados", afirma o cientista político López Levy, contemporâneo de Díaz-Canel, à reportagem da BBC.

Aarão Reis lembra que, embora Díaz-Canel seja um homem de confiança de Raúl Castro e tenha uma trajetória dentro do Partido Comunista de Cuba, ele não pertence à geração revolucionária e é civil.

 

"Insista-se: ele é um homem do sistema, mas há exemplos históricos de 'homens do sistema' que se decidiram a mudar o 'sistema'. Basta citar dois exemplos: Mikhail Gorbatchev e Deng Xiao-Ping. Embora provenientes do 'sistema', souberam encarnar propostas reformistas", diz Aarão Reis.

 

Questões importantes com as quais o novo presidente terá de lidar:

 

  • Desestatização

 

Para a historiadora Joana Salém, os cubanos têm duas expectativas principais em relação ao novo governo: primeiro, a desestatização da economia; segundo, a descentralização da política.

 

“Quando digo 'desestatização' não me refiro ao neoliberalismo ou às privatizações, como acontece no resto da América Latina, mas sim a uma economia que deixará de ser 95% estatal para ser 70% estatal. O Estado cubano seguirá sendo protagonista", explica Salém.

"Acontece que a abertura de 30% de setor privado faz uma grande diferença na vida da sociedade cubana, que passa a criar pequenas e médias empresas", completa.

 

  • Descentralização

 

A descentralização da política é um ponto mais polêmico. A Assembleia Nacional do Poder Popular é formada por deputados com salários próximos da média salarial do povo, 40% são negros e 53% são mulheres, mas, em termos ideológicos, a coisa muda de figura.

“Há um predomínio absoluto de militantes do Partido Comunista (96%). Setores não partidários poderiam ter mais participação. Existem grupos apoiadores da Revolução, identificados com o socialismo, mas que defendem o fortalecimento dos organismos de base, como os Conselhos Populares, e a criação de mais canais de representatividade e de debate público”, continua Salém.

A visão de Díaz-Canel sobre essa importante encruzilhada do regime cubano, no entanto, continua uma incógnita.

 

  • Relação com os EUA

 

A aproximação entre os dois países, movimento que vinha sendo implementado no governo Obama, foi freado quando Donald Trump assumiu a presidência dos EUA. As embaixadas voltaram a se instalar em Havana e Washington, e Obama chegou a visitar Cuba em 2016, reduzindo a tensão de décadas entre a superpotência capitalista e o pequeno enclave socialista situado a poucos quilômetros de sua costa.

O futuro, porém, depende muito mais do governo americano do que de Cuba.

"A abertura empreendida por Obama foi paralisada. Entretanto, Trump não a reverteu. E é do interesse de empresas americanas ganhar e consolidar acesso ao mercado cubano. Tudo isto está sujeito a ventos e a trovoadas", comenta o professor Aarão Reis.

"Mas uma coisa é certa: um eventual endurecimento dos EUA só fará o jogo dos conservadores cubanos que desejam manter como está uma ditadura política que já foi revolucionária e que, há muito, se tornou basicamente conservadora", completa.

Quando o novo presidente assumir, o caçula dos irmãos Castro não renunciará a todas as suas funções. Ele continuará atuando como secretário-geral do Partido Comunista de Cuba até 2021, além de seguir como deputado nacional e líder das Forças Armadas.

Raúl sucedeu Fidel interinamente em 2006 e definitivamente em 2008, após ser o número 2 durante os anos de governo do irmão mais velho.

Na Revolução de 1959, Raúl, sob a liderança de Fidel, ajudou a derrubar o governo cubano comandado pelo ditador Fulgencio Batista. Após a tentativa bem sucedida de tomar o poder na ilha, Fidel já anunciava que seu irmão caçula deveria ser seu sucessor. Meses depois, ele assumiu o posto de Ministro da Defesa.

 

Invasão da Baía dos Porcos e Crise dos Mísseis

 

Em 1961, tropas cubanas lideradas por Raúl conseguiram impedir a invasão da Baía dos Porcos por um grupo de paramilitares treinados pela CIA. A derrota dos EUA no episódio, que durou 4 dias, foi significativa para o estabelecimento do regime de Fidel.

Um ano depois, durante visita à União Soviética, Raúl recebeu a promessa de que teria mísseis instalados em Cuba, o que acabou levando à Crise dos Mísseis. O conflito entre Estados Unidos e União Soviética durou 13 dias e terminou depois que Kennedy, então presidente dos EUA, concordou em retirar mísseis americanos da fronteira entre a Turquia e a União Soviética.

Mais flexível

 

Em outubro de 1997, o Partido Comunista definiu oficialmente que Raúl seria o sucessor de Fidel Castro quando este tivesse que deixar o poder. Em 2006, Fidel precisou se afastar por causa de uma cirurgia no intestino, e Raúl assumiu interinamente o comando da ilha.

Dois anos depois, Raúl se tornou oficialmente o novo presidente de Cuba, após Fidel renunciar devido à saúde já debilitada.

Desde então, Raúl se mostrou mais flexível que o irmão e comandou pequenas mudanças na vida em Cuba, abrindo o país para investimentos estrangeiros, empresas privadas e para a compra e venda de imóveis. Também permitiu viagens de cubanos ao exterior.

Já na reta final de seu mandato, recebeu Barack Obama e retomou as relações diplomáticas de Cuba com os EUA, após 52 anos de embargo.

Foi casado por 48 anos com Vilma Espín, sua companheira de Revolução que morreu em 2007. Ele tem três filhas, incluindo a deputada Mariela Castro, e um filho, o influente coronel Alejandro Castro, nove netos e uma bisneta.

Brasil e Cuba

 

Durante o período de Raúl Castro na presidência, a relação do país caribenho com o Brasil teve capítulos importantes.

Em 2014, a então presidente Dilma Roussef participou da inauguração do Porto de Mariel em Cuba. A obra foi feita com um empréstimo de US$ 802 milhões (cerca de R$ 3,1 bilhões) do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social) com um prazo de 25 anos. A obra ficou a cargo da empreiteira Odebrecht na época.

Também durante o governo Dilma, Brasil e Cuba iniciaram a parceria do Programa Mais Médicos, que tem o objetivo de levar profissionais brasileiros e estrangeiros a áreas carentes das periferias de grandes cidades e também para o interior do país.

Por intermédio da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Cuba enviou diversos profissionais para atuar como médicos no Brasil, inicialmente com contratos de três anos. O governo de Michel Temer deu continuidade ao programa em 2016, sancionando uma lei que prorrogou o projeto por mais três anos.

FONTE : G1 NOTÍCIAS

 
 
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